Wednesday 12 October 2011

Espéce trigésima sexta

Pois bem, antes de mais, um cumprimento a todos os (se é que existem alguns, ainda) leitores deste blog. Ele não morreu, feliz ou infelizmente, passa-se apenas que têm havido outras ocupações nas vidas dos seus autores/contribuintes/o-que-nos-quiserem-chamar, e temo-lo relegado para segundo (talvez mesmo terceiro ou quarto) plano. A ele e, enfim, a tantos outros blogs que mantemos. Pronto, passado este ponto, que não deixa de ser uma espécie de espéce, uma espéce bastante comichosa, para todos os efeitos, vamos ao que interessa.

A espéce de que gostaria de falar hoje - e é uma grande espéce, para mim - tem a ver com o ambiente universitário que se vive e se sente na minha querida e estimada Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, doravante referida como fcsh-unl ou apenas fcsh. Pois bem, sucede que, tendo entrado para a mesma no distante ano lectivo de 2002-2003, o ambiente, nessa altura, era diferente. Não me quero dar o direito de estar aqui com juízos de valor mas, pronto, é o que se espera, neste blog. Logo, vá, eram, para além de diferentes, tempos melhores. Havia o MATA (Movimento Anti-Tradição Académica), havia professores a leccionar realmente as cadeiras/unidades curriculares/disciplinas para as quais têm formação académica e profissional, os alunos não partiam equipamento da faculdade, estavam nos cursos porque queriam estar, falavam com relativa paixão sobre os assuntos dos seus cursos uns com os outros, punham o lixo no lixo e, regra geral, recolhiam a loiça que levavam para as mesas da esplanada.

O que encontramos, hoje em dia, não tem nada a ver com isto. Os nossos ministros têm vindo a aumentar as percentagens de admissão às universidades, e isso é uma coisa boa, certamente. Mau é que essas percentagens não reflictam conhecimento, mas apenas facilitismo e embrutecimento da população - todos lá chegam, não porque sejam mais inteligentes ou porque trabalhem mais, mas somente porque as universidades se têm vindo a tornar cada vez menos exigentes, no que às médias de acesso diz respeito. Noto que, de ano para ano, os caloiros vão entrando cada vez mais ignorantes, sem conhecimentos básicos ou noções sobre o que quer que seja. Cada vez mais egoístas e mal educados, cada vez mais apenas preocupados com as cervejas que bebem e/ou o THC que fumam. Nunca, antes, tinha havido clareiras na esplanada, com todos os meninos bonitos a pegarem em mesas e a juntá-las umas às outras, sem necessidade, só porque têm um grupo de oito pessoas e "uma única mesa não chega", arrastando mesas pela esplanada como se fossem anti-girassóis, numa dança diurna, a fugir à luz do sol (percebe-se, sol com ganza cai muito mal, coitadinhos dos meninos!), deixando as mesas todas cheias de lixo (mesmo com fileiras de caixotes do lixo a dois passos) e sem recolher a loiça que trazem dos bares (porque é obrigação das senhoras da limpeza tratar disso, porque em casa também é obrigação dos paizinhos limpar tudo). Como se isto não bastasse, ainda se divertem muito, gabando-se disso, a partir os guarda-sóis que se vão instalando por ali, e que até lhes seriam bastante úteis no evitar de um périplo diário de fuga à luminosidade solar. Mas, pronto, confessemos, isto são os tempos, é assim que os miúdos/jovens/jovens-adultos de hoje estão a sair dos seus fornos industriais/lares.

Para mim, a verdadeira espéce, que acresce a toda esta urticária que me provocam todas as situações descritas supra, é a falta de paixão e interesse pelos cursos. A vida não é isso, para esta gente feliz e cheia de si mesma, claramente. A vida é falar muito alto, por todos os sítios na fcsh onde seja possível reunir-se um grupo de pessoas em convívio, falar, gritar, incomodar os circundantes, sem se ralarem com isso, pessoas muito seguras de si, sem medos, sem problemas mentais, sem recalcamentos, sem frustrações, pessoas felizes e realizadas, falar, conviver, estar ali, no fundo, como se aquilo fosse um café. Uau.

Há uns anos, ouviam-se pessoas conversar sobre temas dos seus cursos. E entre si, com verdadeira curiosidade, com verdadeira entrega e até ainda alguma ilusão. A ilusão (não me venham cá com tangas), se em quantidades certas, é boa. Alguma ilusão faz com que a vida valha um bocadinho mais a pena. Agora, estes miúdos só falam como se fossem pessoas muito básicas e muito limitadas, estupidificadas pela televisão e que comem tudo o que a publicidade lhes vende, conversando, praticamente, apenas e só sobre programas televisivos de alto gabarito intelectual, nomeadamente o "Secret Story", da TVI, o "Peso Pesado", da SIC (e todas as séries da sua variante americana original, cujo nome, confesso, me escapa completamente), sobre as mais recentes adições ao elenco da maravilhosa telenovela teen "Morangos com Açúcar", da TVI, ou as estreias de telenovelas da Globo em horário de almoço, na SIC. Quando estes assuntos se gastam (demora imenso, mas, caramba!, por vezes lá sucede findar-se este assunto), fala-se sobre as malinhas de mão que se compraram na Mango, na Zara, na H&M ou noutra superfície dessas, os ténis "brutalíssimos" que se adquiriram na loja da Nike ou da Reef ou da Adidas, os sapatinhos de salto stilletto que custaram os olhos da cara. No raríssimo caso de até estes profundos assuntos se esgotarem (deus nosso senhor nos valha!), pode-se ainda discorrer sobre aquilo que hoje em dia passa por música, ou, em último caso, falar-se de como a secretaria da fcsh é horrível e disfuncional, e do quanto se odeia o professor x ou y, que é mau e dá más notas e não sabe dar a matéria. Convenhamos: falar dos professores (queixarmo-nos dos professores) não é propriamente falar sobre as matérias. Disso nunca se fala, é tema tabu naquele estabelecimento (creio que em vários, neste momento, se não mesmo em todos). Os professores podem não ser perfeitos, mas estamos numa universidade, já não é suposto aparecer um senhor ou uma senhora que nos façam a papinha toda. O aluno, na universidade, deve ser, por ele mesmo, interessado e investigar o que tem de investigar. Para além disso, é só estupidez natural dos alunos que o fazem, porque os docentes da fcsh são, perdoem-me a parcialidade, dos melhores que existem nas universidades portuguesas.

Enfim, esquecendo toda esta hecatombe confusa que a espéce em questão provoca em mim, digo, apenas, que, numa universidade, tudo bem, há tempo para conversas banais, "de café", sobre assuntos corriqueiros, mundanos, ordinários (no sentido mais etimologicamente correcto do termo), vulgares, etc. Faz falta desanuviar, de vez em quando, certamente, estou de acordo. Mas, bolas!, ao menos de vez em quando falem do curso, caros meninos e meninas que têm entrado nos últimos dois anos para a fcsh... por favor. Pode ser? Falem dos cursos em que estão. A sério. Interessem-se por eles. Falem de literatura ou de filosofia ou de música ou de história ou de arte ou de geografia ou de ciência política ou de antropologia ou de sociologia ou (inserir nome de curso existente na fcsh-unl) como se REALMENTE gostassem disso. Como se DE FACTO isso vos importasse ou interessasse para alguma coisa. Não peço sequer paixão pelos temas dos cursos, mas, ao menos, um mínimo de interesse. Todas as pessoas dos nossos cursos estão ali connosco porque, supostamente, gostamos todos daquele tema, logo, porque não aproveitar essas pessoas para falarmos de coisas que realmente interessem? Caso contrário, acho justificável criar-se uma licenciatura em estudos de Secret Story, um mestrado em Peso Pesado, um doutoramento em sapatos de salto alto e/ou uma pós-graduação em malas da Mango.

1 comment:

Nelson Luís Ribeiro said...

É realmente triste notar como a imbecilidade tomou conta das universidades! Para além desses programas televisivos existe ainda todo o mundo neo-fascista\nazi da praxe e do ritual académico. A hierarquia do estudante e o respeito pela tradição académica (afinal as tradições são para se manterem, podemos sempre matar uma criança para a nossa criação de pepinos prosperar no próximo ano...) e toda essa desfuncionalidade. Meu caro, não seria necessário sequer afirmar a minha posição de acordo com as tuas ideias (pois verifica-se o mesmo pelos inúmeros departamentos da Universidade de Évora) mas faço-o, pelo menos, para não te sentires só neste desencanto da humanidade, neste emiscuir da seriedade e mais grave tudo da inteligência. Um grande abraço.