Friday 24 February 2012

espéce trigésima oitava

Muito mea culpa, esta espéce, mas tinha de ser. É a cena Harry Potter. Claro que, enquanto filólogo em formação (um filólogo está, como um ser humano, menos os com complexos ou manias, sempre em formação), entendo que a cultura é assim mesmo, e evolui. Mas, lá por causa disso, não deixo, eu próprio de ter os meus - muitos - complexos e manias, e há coisas que, ainda que aceites, não deixam de me causar uma urticária (imaginemos que tenho um desses) uterina.
O Harry Potter já ascendeu ao status de Bom. Já é um A-lister da cena geek e nerdy, da qual sempre fiz parte. Não me cabe a mim controlar isso, a(s) cultura(s) é(são) o que é(são), etc, mas, por amor da Santa... manquem-se: é mau. É muito mau. É uma espécie de Tolkien para bebés. Não passa disso. Os jovens hipsters de hoje, na sua absoluta crença de que estão a ser verdadeiros nerds, justificam o Harry Potter com o argumento "mas é uma coisa da minha infância!" Ok. Eu também não era nenhum mancebo graúdo quando li Harry Potter. Mas já naquela altura aquilo me pareceu mau.
Cresci noutra geração de geeks e nerds. Tudo bem. Mas porque é que as gerações anteriores à minha gostavam das mesmas coisas e até no que era mais kitsch era unânime a nossa predilecção e os nossos gostos? Quase já não dá para falar de Star Wars, pelo menos da primeira/última trilogia (episódios IV, V e VI), Star Trek, então, é impossível, embora eles gostem muito de fingir que conhecem o Spock e saibam fazer o cumprimento vulcano, Battlestar Galactica é totalmente desconhecido, para essa gente, alguns, raros, ainda se vão lembrando do filme do Stargate e da incrível série spin-off que foi Stargate SG-1, e nem vale a pena adiantar mais. Vou ficando bastante feliz que até na nova geração do que passa por geeks e nerds a saga do Twilight ainda (e reforço: ainda) é considerada má, mas não deixa de ser ridículo ver imagens virais e memes vários, por essa internet fora, onde Gandalf, na sua encarnação cinematográfica por Sir Ian McKellen, dá instruções ao Frodo (Senhor dos Anéis), ao Luke Skywalker (Star Wars), ao Harry Potter e ao Edward (Twilight), sobre as suas missões importantíssimas, com vista a salvar o(s) mundo(s)/universo(s). Frodo Baggins e Luke Skywalker recebem, bem, indicações de que as suas missões são grandiosas, logo, para continuarem, que o mundo precisa deles, e tal. Edward recebe apenas a ordem para deixar de cintilar, que também me parece acertada. Mas Harry, esse cancro da cultura e da "literatura" (inserir riso sentido), é posto ao mesmo nível de Baggins e Skywalker, com a hercúlea missão de destruir os/as hoarcruxes. A sério? Destruir vestígios de alma, ou lá o que sejam hoarcruxes, de um homem sem cara, sequer, só um oval com olhos, um buraco com dentes e duas narinas, que nem sequer conseguiu matar um bebé (fosse lá por protecção de um tio-padrinho-pai, ou fosse o que fosse... aquele homem não é suposto ser o feiticeiro mais poderoso do mundo?), e tem de andar os livros todos a ameaçar, para depois aparecer quase no fim e andar tudo ali numa demanda pelos pedaços de alma dele? Uau.
A espéce disto é simples, a argumentação é que foi demasiada: o Harry Potter é mau. É mau. Não é coisa de "verdadeiro" geek, nerd, seja-o-que-for. É só mau. É Lord of the Rings for Dummies, na melhor das hipóteses. Ponto final. Muito parágrafo.